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Exame de DNA negativo: posso pedir a anulação do registro denascimento?

  • Foto do escritor: Maristela Tamazzia
    Maristela Tamazzia
  • 17 de jun.
  • 5 min de leitura

A descoberta de que não se é o pai biológico de uma criança registrada é uma situação delicada e cada vez mais comum na sociedade, trazendo impactos profundos, tanto para o homem que acreditava estar criando seu filho, quanto para a criança, que pode se sentir desamparada diante da ruptura da relação.

Frente a isso surgem diversas indagações. É possível cancelar o registro de paternidade? O pagamento de pensão alimentícia ainda é devido? Existe alguma punição para quem ocultou a verdade?

E a resposta, como na maioria dos casos jurídicos, é: depende do caso concreto.


A análise de uma solução e medidas a serem tomadas para essas situações exige cautela, sensibilidade e, sobretudo, responsabilidade, pois envolve não apenas os direitos do adulto, mas principalmente o bem-estar e os direitos da criança.

Constatada a ausência de vínculo biológico paterno, as medidas a serem tomadas variam de acordo com a realidade do caso e, especialmente, vínculo afetivo de fato, existente entre estes.

No Brasil, o reconhecimento de paternidade pode ocorrer de forma voluntária — diretamente em cartório após o nascimento — ou judicialmente, por meio de ação de reconhecimento de paternidade, muitas vezes esta segunda já é acompanhada de exame de DNA comprovando a afetiva paternidade.

Portanto, a descoberta que de que não se é o pai biológico de uma criança, via de regra, ocorre quando o genitor registrou o filho já no nascimento e, após certo tempo, descobre que não era o real pai dessa criança.

Assim, quando um homem registra uma criança como filho, ele estabelece um vínculo jurídico que gera obrigações e direitos, como pensão alimentícia, guarda, direito de convivência e sucessão. Muitas vezes, esse vínculo jurídico vem acompanhado de um vínculo afetivo, construído no dia a dia, com base em cuidado, convivência e amor.

Esse vínculo, uma vez consolidado, não pode ser desfeito automaticamente apenas com a constatação da ausência de vínculo genético. Isso porque a lei vigente valoriza não apenas a verdade biológica, mas também o princípio da paternidade responsável e da dignidade da criança e do adolescente.

A primeira medida a ser tomada quando passam a surgir dúvidas acerca da real paternidade de uma criança é a realização do exame de DNA, seja por acordo entre as partes, seja por determinação judicial. Caso o exame aponte a ausência de vínculo genético, o pai pode propor ação negatória de paternidade – ação judicial que visa a retirada do nome do pai do registro de nascimento – ou ação de anulação de registro civil de paternidade, buscando a exclusão do seu nome no registro da criança.

No entanto, há uma ressalva fundamental: se ficou caracterizada a paternidade socioafetiva, o Judiciário tende a manter o vínculo de filiação, mesmo diante do resultado negativo do DNA.

Tais decisões decorrem do entendimento de que uma vez consolidado esse laço, não é possível abandoná-lo unicamente pela descoberta de ausência de vínculo biológico, especialmente se a criança depende emocional ou financeiramente daquele pai.

Isso acontece quando o genitor assumiu voluntariamente o papel de pai, exercendo-o por longo tempo com afeto, cuidado e responsabilidade.

A negativa da exclusão do registro é decorrente do entendimento pacificado de que a filiação não depende exclusivamente do elo biológico – DNA – mas também do elo socioafetivo, caracterizado por aquele construído com base no afeto, cuidado, convivência e responsabilidade assemelhando-se a uma adoção.

Ainda é consolidado o entendimento de que “Há uma abissal diferença entre aquele que, tendo ciência de que não é o pai biológico, registra filho como se fosse seu, o que impede ulterior pedido de anulação, daquele que, não tendo motivos para desconfiar que a criança que nasceu não era fruto do seu relacionamento com a mãe biológica, com quem já possuía dois filhos, é levado a erro ao assumir a paternidade registral.”[1]

Nesse sentido a doutrina frisa que "A paternidade e a maternidade têm um significado mais profundo do que a verdade biológica, onde o zelo, o amor filial e a natural dedicação ao filho revelam uma verdade afetiva, um vínculo de filiação construído pelo livre-desejo de atuar em interação entre pai, mãe e filho do coração, formando verdadeiros laços de afeto, nem sempre presentes na filiação biológica, até porque a filiação real não é biológica, e sim cultural, fruto dos vínculos e das relações de sentimento cultivados durante a convivência com a criança e o adolescente".[2]

Ainda as decisões recentes têm visto que "o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva".[3]

O artigo 227, §6º, da Constituição Federal reforça esse entendimento ao afirmar que “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”

Além disso, o artigo 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de qualquer forma de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão.”

Por outro lado “Comprovada a inexistência de paternidade biológica e socioafetiva entre o suposto pai registral e o menor que pretende o registro, acolhe-se a negatória de paternidade, com a retificação do registro civil".[4]

Assim, ainda que o DNA seja negativo, o juiz poderá manter o vínculo de paternidade se entender que isso atende ao melhor interesse da criança ou que, de fato, decorreu da relação o vínculo socioafetivo.


E quanto à pensão alimentícia?


Enquanto o nome do pai constar no registro civil e não houver uma nova decisão judicial exonerando-o do encargo alimentar, o dever de pagar pensão alimentícia permanece válido.

Contudo, no curso da ação negatória de paternidade, é possível pedir paralelamente a exoneração dos alimentos, ou seja, a suspensão do pagamento da pensão, que será analisada considerando as particularidades do caso e, principalmente, a existência ou não do vínculo socioafetivo.

Se o juiz entender que a relação socioafetiva foi consolidada, provavelmente o pai continuará responsável pelo pagamento de pensão, inclusive sujeito às punições legais em caso de inadimplência (como execução e prisão civil).

Outro ponto importante é que mesmo quando ocorre a exclusão do vínculo e a exoneração dos alimentos, os valores já pagos não podem ser restituídos. Isso ocorre porque, conforme entendimento majoritário da jurisprudência, os alimentos têm natureza irrepetível — foram destinados à subsistência da criança e, portanto, não são passíveis de devolução.


Mas então não há possibilidade de reparação ou de indenização?


Em situações específicas, pode haver sim direito à indenização. Um exemplo ocorre quando a mãe sabia, no momento do registro, que o marido ou companheiro não era o pai biológico da criança, mas ocultou a verdade para obter vantagens ou evitar assumir um relacionamento extraconjugal, por exemplo.

Nesses casos, o pai pode ingressar com ação indenizatória por danos morais contra a mãe, alegando ter sido induzido ao erro no reconhecimento da paternidade. A indenização, no entanto, depende de comprovação de dolo ou má-fé da genitora e será analisada caso a caso pelo Judiciário.

Por fim, é fundamental que qualquer pai que enfrente essa situação busque orientação jurídica especializada antes de tomar qualquer decisão. Cada caso é único, e as consequências jurídicas e emocionais precisam ser cuidadosamente avaliadas para proteger não apenas os direitos do adulto, mas principalmente o bem-estar da criança.


[1] TJSC, Apelação Cível n. 2010.041387-5, de Itapiranga, rel. Jorge Luis Costa Beber, Câmara Especial Regional de Chapecó, j. 14-10-2011

[2] (MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 471).

[3] (REsp 1059214/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe 12/03/2012).

 

[4] (Apelação Cível n. 2011.062125-5, de São Bento do Sul, rel. Des. Monteiro Rocha, dj 21.6.2012).


  • Por Isabella de Campos

 
 
 

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