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Já ouviu falar em Falsas Memórias?

  • Foto do escritor: Maristela Tamazzia
    Maristela Tamazzia
  • 4 de set. de 2018
  • 5 min de leitura

Atualizado: 5 de set. de 2018

O tema parece intrigante e curioso, pois como pode ser falsificado uma memória se nós a criamos? O estudo da memória para os operadores do direito é imprescindível, pois ela é uma fonte importante para a produção de prova.


A memória humana pode ser classificada de duas formas, a memória de curta duração e aquela de longa duração. A primeira, também classificada como memória funcional, armazena os acontecimentos rápidos e cotidianos, como gravar o número de telefone celular, ou até mesmo pagar o ticket do estacionamento. A memória de longa duração ou memória consolidada, por sua vez, é aquela que pode ser mantida por décadas, traduzida como a memória propriamente dita e é estabelecida através do trabalho do hipocampo[1].


Imprescindível destacar que a figura das falsas memórias em nada condiz com contar mentiras, pelo contrário, nas primeiras o indivíduo crê piamente no que está relatando, chegando até a sofrer com isso, enquanto que a mentira é ato consciente e possui manipulação, existindo métodos para se perceber essa prática (a exemplo da leitura corporal)[2].


As falsas memórias se referem a eventos que nunca ocorreram ou a fragmentos que não condizem com a verdade, justamente por terem sido incorporadas (voluntariamente ou involuntariamente) a uma narrativa[3]. Elas podem ocorrer em duas situação: a) com a distorção de um evento experimentado; b) com a implantação de uma lembrança inteiramente falsa[4].


As falsas memórias surgem são mais facilmente em determinadas pessoas, ou seja, há determinados grupos de pessoas que são voltadas a cair nesse limbo.


Um grupo principal que pode cair nessa ilusão mnemônica são as crianças, visto que estudos apontam, historicamente, que elas são mais suscetíveis a corresponder às expectativas do que deveria acontecer, bem como às expectativas do adulto entrevistador.


Também, é possível verificar uma maior incidência das falsas memórias em pessoas com baixa estima, depressivas, com problemas emocionais, que sofreram, de alguma forma, com violência quando eram crianças. Ainda, pessoas que não receberam muito afeto podem ser tendenciosas a tal prática[5].



Aury Lopes Jr e Cristina DI Gesu apontam que “algumas pessoas estão mais suscetíveis à formação das falsas lembranças, geralmente aquelas que sofreram algum tipo de traumatismo ou lapso de memória”[6].


Ok, então como evitar, reduzir ou verificar se ocorreu o fenômeno das Falsas Memórias?


Primeiro, é preciso ter em mente que nunca vamos saber a verdade absoluta daquilo que se relata, contudo, é possível utilizar técnicas de redução de danos a fim de evitar a falsificação da memória.


Cristina Di Gesu aponta 3 técnicas imprescindíveis para a redução de danos:

a) colheita da prova em prazo razoável;

b) técnicas de interrogatório (sem perguntas sugestivas ou de fácil resposta);

c) gravação do depoimento.


No livro intitulado “Os sete pecados da memória”, o psicólogo Daniel L. Schacter aponta sete erros que nossa memória pode apresentar:


“Às vezes nós esquecemos o passado; outras vezes, nós o distorcemos. Certas lembranças perturbadoras nos atormentam por anos. Mas nós também dependemos da memória para realizar uma quantidade impressionante de tarefas no nosso cotidiano. [...] Proponho que as falhas da memória podem ser classificadas em sete transgressões ou “pecados” fundamentais, que chamo de transitoriedade, distração, bloqueio, atribuição, errada, sugestionabilidade, distorção e persistência. Exatamente como os sete pecados capitais, os pecados da memória ocorrem com frequência no cotidiano e podem ter consequências desastrosas para todos nós.”


Importante lembrar que a pessoa inquirida sempre deve ser informada que não se recordando de algo, ou não sabendo precisar, deve responder “não sei”. Essa alerta pode ser inclusive passado pelo Advogado, caso não seja atentado de forma correta pelo juízo.

Giovanni Pergher e Lilian Stein trazem algumas etapas a serem seguidas na referida entrevista, vejamos:


1ª etapa: contato direto entre o entrevistado e o entrevistado visando reduzir o estresse e a ansiedade aumentando a empatia;

2ª etapa: esclarecer a natureza da entrevista, destacando a importância das

informações sem dar margem para o “efeito entrevistador”, no qual se cria uma subordinação em relação ao entrevistado tendencionando as respostas de modo a “acertá-las”;

3ª etapa: início da entrevista, direcionando a vítima ou testemunha para o palco dos acontecimentos, recriando todo o contexto de modo a aferir a quantidade e a qualidade das informações trazidas da memória;

4ª etapa: análise minuciosa das informações coletadas através de questionamentos acerca dos detalhes;

5ª etapa: retomar informações através do acesso aos dados já obtidos. Este momento é muito delicado para não criar as falsas memórias, com a importação de elementos diversos do depoimento prestado;

6ª etapa: o entrevistador apresenta um resumo da entrevista em uma tentativa de que o entrevistado reavalie criticamente a qualidade de sua memória, bem como as conexões realizadas;

7ª etapa: encerramento da entrevista que deve ser procedido de maneira positiva, realçando as conquistas obtidas e a importância do papel do entrevistado. Nesse momento é interessante deixar claro se será necessário uma nova entrevista em outro momento[7].


Gustavo Noronha de Ávila lista as dez falhas mais comuns dos entrevistadores forenses, vejamos:


1) não explicar o propósito da entrevista; 2) não explicar as regras básicas

da sistemática da entrevista; 3) não estabelecer rapport (a empatia com o entrevistado); 4) não solicitar o relato livre; 5) basear-se em perguntas fechadas e não fazer perguntas abertas; 6) fazer perguntas sugestivas/confirmatórias; 7) não acompanhar o que a testemunha recém disse; 8) não permitir pausas; 9) interromper a testemunha, quando ela está falando; 10) não fazer o fechamento da entrevista[8].


Dito isso, conclui-se que as falsas memórias ocorrem em situações não vividas ou quando a imaginação excede a situação existente. Trata-se de um meio corretivo do próprio cérebro, diga-se de passagem, até involuntário (considerando a premissa da sugestionabilidade).


Até logo!!




[1] ANTUNES, Celso. A Memória. Como os estudos sobre o funcionamento da mente nos ajudam a melhorá-la. fascículo 9. Rio de Janeiro: Vozes, 2002, p. 13.


[2] LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 485.


[3] CAMBI, Eduardo. OLIVEIRA, Priscila Sutil de. Depoimento sem dano e Falsas Memórias. Revista dos Tribunais Ano 39. Vol. 235. set/2014, p. 45.


[4] GESU, Cristina de. Prova penal e falsas memórias. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 137.


[5] AVILA, Luciana Moreira de. STE IN, Lilian Milnitsky. A influência do traço de personalidade neuroticismo na suscetibilidade às falsas memórias. Psicologia: Teoria e Pesquisa [online]. Vol. 22. n. 3.

2006, p. 339.


[6] LOPES JR. Aury. GESU. Cristina Carla Di. Falsas Memórias e Prova Testemunhal no Processo Penal: Em busca da Redução de Danos. Revista de Estudos Criminais. Ano VII, nº 25, p. 64


[7] PERGHER, Giovanni k.; steins, Lilian. Entrevista Cognitiva e a terapia cognitivo-comportamental: do âmbito forense à clínica. 2005. In: FELIX, Yuri. NASCIMENTO, Marcio Munis. Memória, prova testemunhal e reconhecimento pessoal no processo penal. Revista Brasileira de Direito Processual: RBSPRO. - ANO 15, Nº 59 (JUL./SE. 2007) Belo Horizonte: Fórum, 2007 - p. 151/152 [8] ÁVILA, Gustavo Noronha de. Falsas Memórias e Sistema Penal. A Prova Testemunhal em Xeque. 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 138.

 
 
 

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